terça-feira, 1 de julho de 2008

Um Olhar para as Artes: convite à reflexão

“Pensar é estar doente dos olhos”, disse Alberto Caeiro, um dos heterônimos do genial poeta português Fernando Pessoa. Certamente, ainda não nos demos conta de que todas as coisas belas e maravilhosas do mundo sejam filhas da doença. Nesse sentido, o homem cria a beleza, nas suas mais diversas formas de manifestação, numa espécie de tentativa de remediar a sua doença, ou seja, um bálsamo para o seu medo de morrer.

Alguém já parou para pensar se, por algum acaso, as criações fossem fruto das pessoas que gozam saúde perfeita? O mundo, assim sendo, seria uma plena monotonia, mesmice chata. Por que haveriam de criar? A criação é fruto de sofrimento. Assim, os olhos do poeta tinham que estar doentes porque, se não estivessem, o mundo seria mais pobre e mais feio. Porque os olhos de Alberto Caeiro estavam doentes, um poema foi escrito e, por meio dele, temos a alegria de ler o que o poeta escreveu.

Há quem pense, como é o caso do poeta Heine, que foi para se curar de sua enfermidade que Deus criou o mundo. “A doença foi a fonte do meu impulso e do meu esforço criativo; criando, convalesci; criando, fiquei de novo sadio”, seriam as palavras de Deus, segundo Heine.

E por qual razão, perguntará o leitor, faço essa abordagem inicial? Antes de tudo, ainda bem que as palavras (e, por conseguinte, os textos) dialogam, têm vida, “(...) saltam, se beijam, se dissolvem,/No céu livre por vezes um desenho,/São puras, largas, autênticas,/ indevassáveis.”, como diria Drummond, em ‘Consideração do poema’. E digo isso exatamente porque, após a leitura do brilhante texto “Vida de cão (em clima de despedida)”, do nosso colega Taiguara, suscitou-me um hábito muito comum em sala de aula: provocar uma necessária reflexão.

“Provocar o quê?”, perguntaria um desatento leitor. À busca de possíveis respostas, emerge o fato de que, seja cercado de inúmeros amigos, os quais, muitas vezes, eram transformados em parceiros musicais, seja acompanhado do “cachorro engarrafado”, ou ainda com a união de tudo isso, a poesia se faz arte em Vinícius de Morais através de um olhar diferenciado, doente, como chamamos até aqui, para a realidade circundante. A esse olhar doente, Vinícius chamou de tristeza, palavra em cujo campo semântico podem ser aglomeradas tantas outras motivadoras de várias obras-primas da nossa poesia/música brasileira, sendo algumas delas sutil e caprichosamente pinceladas no texto de Taiguara.

Nessa perspectiva, entendendo a arte como a concebe mestre Alfredo Bosi, para quem, “a criação artística é um fazer, um conhecer e um exprimir” e, para tal reflexão, observando a arte enquanto uma projeção de vida interior que vai do grito (observação ‘doente’, particular e distorcida da realidade) à alegoria, cabe indagar: o que será da arte mediante os valores da sociedade atual?

Assim, diante de uma sociedade doente, não dos olhos, mas da mente, a arte, em todas as suas representações, agoniza. Pais torturam, molestam e matam seus filhos. Representantes públicos (públicos? Públicos sim, porque é sempre pública a origem do dinheiro com que engordam, cada vez mais, suas generosas contas bancárias) estão envolvidos em mais escândalos e/ou preocupados com os conchavos das próximas eleições. Pessoas cada vez mais especialistas de fatos mínimos e ignorantes de valores máximos! Não há como não lembrar Manuel Bandeira, em ‘Rondó dos Cavalinhos’:

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo...
O Brasil politicando,
Nossa! A poesia morrendo...
O sol tão claro lá fora,
O sol tão claro, Esmeralda,
E em minhalma — anoitecendo!

Ao ver a sociedade consumir vorazmente os lixos culturais, seja em forma de música (à exceção das “figurinhas carimbadas” canônicas, alguém consegue encontrar alguma música que coadune letra e melodia plausíveis?), cinema (exceções, a meu ver, aos filmes de Almodóvar e outros muito raros), televisão (a explicitação máxima da nossa mazela cultural) ou literatura (chega das baboseiras de Paulo Coelho e do gênero de auto-ajuda!), confesso que ganho ânimo para finalizar projeto antigo: o PENICO (Programa Educacional Nacional de Imbecilização Coletiva). Destinado ao auxílio dos educandários brasileiros, o PENICO, literalmente, iria, inicialmente, acolher os dejetos de milhares que são tragados pela corrente da mais nefasta ignorância e alienação coletiva, além de facilitar o trabalho da escola que, cada vez mais, não cumpre o seu papel central de formar cidadãos críticos e conscientes de uma realidade, alienando-os sempre mais.

Brincadeiras à parte, recordo-me de um episódio que vivenciei, certa vez, em sala de aula. Dizia, em uma analogia um tanto quanto simplória, que a poesia e uma cédula de dinheiro se diferenciam, dentre outros aspectos, uma vez que ambas têm o papel enquanto matéria-prima, no valor que possuem para a nossa sociedade plenamente utilitarista. Atentamente, uma aluno ponderou: “Ninguém vive de poesia, professor. Ninguém faz feira com um poema, por mais que as pessoas gostem dele!”. Diante do silêncio da turma, que, tacitamente, esperava de mim alguma resposta ou comentário, não deixei de dizer à aluna que, numa visão pragmática, ela não estaria equivocada. Apenas ponderei com algumas questões aparentemente bobas: “Você está satisfeita com o mundo tal qual se mostra a todos?”, “Você consegue entender certos fenômenos que ocorrem à sua volta?” e, finalmente, “Você se vê capaz de transformar uma ou a sua realidade?”.

Antes de qualquer esboço de resposta, convidei a todos para ler um fragmento estupendo do poeta e ensaísta mexicano Octávio Paz, intitulado ‘O caracol e a música’:

A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. [...] Experiência inata. Visão, música, símbolo. Analogia: o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo[...]

Após a detida leitura, percebi que algo havia mudado no olhar daquela jovem, que tão incisivamente tinha comentado o valor menor da poesia diante do dinheiro, mola-mestra do mundo capitalista. Mesmo sem emitir qualquer resposta, ao continuar da aula e, sobretudo, nas aulas seguintes, percebi que seus olhos haviam adoecido. A realidade, para aqueles olhos, já não era mais a mesma.

Assim, caro leitor, são esses olhos doentes, cada vez mais raros nos dias atuais, que podem (e devem) fazer com que a arte resista, tal qual a flor de Drummond, em ‘A flor e a náusea’, a qual, não obstante todas as adversidades( o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio), venceu:

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

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LAPADINHAS

A quem ainda não se habilitou a deixar seu texto no nosso blog, cabe conferir o brilhante poema do genial Paulo Leminski:

Razão de ser

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?


· A eleição de Roberto Dinamite, para a presidência do Vasco da Gama, e a conseqüente derrocada do deplorável dirigente Eurico Miranda (arg!) fazem com que o futebol nos ensine algo absolutamente alentador: a democracia, apesar de tudo, ainda vale a pena. Vamos ver se agora a sina do “vice” vai embora juntamente com o “Euvírus se manda”! Força, Vasco!

· O título da Espanha na UEFA-Euro 2008, derrotando a sempre favorita e forte seleção alemã na grande final, traz um fio de esperança ao amante do futebol: é possível sim ser campeão sem jogar de forma truculenta e, por vezes, irracional, como fazem Ballack e seus companheiros. Com um futebol que não chegou a empolgar tanto quanto o da Holanda na fase inicial, mas com muita técnica e com o talento de alguns jogadores, a “Fúria” acalenta muitos corações que amam e gostam do verdadeiro futebol e deixa a sensação de que a Copa de 2010 promete. Resta saber se a “seleção” de Dunga chegará lá.

· E a “Lei Seca”, hein? Segundo José Simão, o presidente Lula assinou porque só anda de motorista. Verdade pura! Pura? Ôpa!... Não há dúvidas de que é uma excelente iniciativa. No entanto, resta saber se vai ser igual para todos! O tempo nos dirá!

· Finalizando, peço permissão aos colegas e transcrevo o poema abaixo, escrito por um aluno da APAE, chamado, pela sociedade, de excepcional. Excepcional é a sua sensibilidade! Ele tem 28 anos, com idade mental de 15. Se uma pessoa que encontra as barreiras que ele encontra acreditatanto no amor, por que a maioria das que se dizem 'normais' procura,ao contrário, negar sua existência? Vale a pena ler e refletir!

PRÍNCIPE POETA (Alexandre Lemos - APAE)
Ilusões do Amanhã
'Por que eu vivo procurando um motivo de viver,
Se a vida às vezes parece de mim esquecer?
Procuro em todas, mas todas não são você.
Eu quero apenas viver, se não for para mim que seja pra você.
Mas às vezes você parece me ignorar, sem nem ao menos me olhar,
Me machucando pra valer.Atrás dos meus sonhos eu vou correr.
Eu vou me achar, pra mais tarde em você me perder.
Se a vida dá presente pra cada um,o meu, cadê?
Será que esse mundo tem jeito?
Esse mundo cheio de preconceito.
Quando estou só, preso na minha solidão,
Juntando pedaços de mim que caíam ao chão,
Juro que às vezes nem ao menos sei, quem sou.
Talvez eu seja um tolo,Que acredita num sonho.
Na procura de te esquecer,Eu fiz brotar a flor.
Para carregar junto ao peito,E crer que esse mundo ainda tem jeito.
E como príncipe sonhador...
Sou um tolo que acredita, ainda, no amor.'

2 comentários:

Sidney Andrade disse...

Porque comentar é preciso.

O mesmo Alberto Caeiro também disse que "sentir é estar distraído". Junto do verso que inicia o texto, tenho um par que julgo simbólico. Adoecer e se distrair, não pra tentar escapar da doença, mas dá-la seu devido crédito. Sentir é essencial; e o que é mais "sentível" do que adoecer?
A despeito da minha mazela física que vem a ser, providencialmente, justamente nos olhos, devo dizer que para adoecer eu precisei adoecer. Mas questões autobiográficas não vêm ao caso.
Poesia é o descontentamento, e não quero me satisfazer nem tão cedo. Poesia vem de gente insatisfeita.

Taiguara Rangel disse...

Depois dessa, simplesmente adoeci.

Quanto ao Eurico, relaxa, teu vasquinho tera sempre um (segundo) lugar no nosso peito.
kkkkk